{"status":200,"response":{"result":"PUBLIC_ARTICLES_RETRIEVED","data":{"count":1,"content":[{"id":"5cfdbe9729b8333d6d54b00f","updated":"2019-06-11T15:58:51.493Z","created":"2019-06-10T02:21:11.061Z","statuses":{"approval_status":"approved","publish_status":"published","visibility_status":"public","has_pending_changes":false,"is_pinned":false,"is_paywall_disabled":false,"scheduled_date":null,"rejection_reason":null},"metadata":{"location":"home","location_slug":"blog","content_type":"post","publish_date":"2019-06-10T02:29:03.951Z","likes_count":2,"bookmarks_count":0,"comments_count":1,"score":"2019-06-10T05:19:03.951Z","sharing_title":"O prazer da descoberta: literatura e filosofia","sharing_description":null,"sharing_image":"https://5c829e95777257707291ea5b.redesign.static-01.com/f/images/4abfe4cf954d85ae73cf956bccd372381ed318d9.jpg","tag_ids":["5cec02e1d9ddb877841f09e2","5cec02e1d9ddb877841f09e3","5cfdbe9729b8333d6d54b00e","5cfe30b929b8333d6d54b087"],"author_user_id":"5cfdac7e29b8333d6d54afd8","moderator_user_id":null,"project_id":"5c829e95777257707291ea5b","course_id":null,"course_module_id":null,"group_id":null,"version":1,"tags":[{"id":"5cec02e1d9ddb877841f09e2","title":"literatura","slug":"literatura","project_id":"5c829e95777257707291ea5b"},{"id":"5cec02e1d9ddb877841f09e3","title":"filosofia","slug":"filosofia","project_id":"5c829e95777257707291ea5b"},{"id":"5cfdbe9729b8333d6d54b00e","title":"Pensamento","slug":"pensamento","project_id":"5c829e95777257707291ea5b"},{"id":"5cfe30b929b8333d6d54b087","title":"Julio Cortàzar","slug":"julio-cortazar","project_id":"5c829e95777257707291ea5b"}]},"content":{"title":"O prazer da descoberta: literatura e filosofia","slug":"o-prazer-da-descoberta-literatura-e-filosofia","cover_image":"https://5c829e95777257707291ea5b.redesign.static-01.com/l/images/4abfe4cf954d85ae73cf956bccd372381ed318d9.jpg","headline":"Há sempre um tanto de perplexidade na descoberta, algo entre o medo da paralisia e o prazer do formigamento. Uma ad mir(a)ção. E nisso a descoberta tem muito parentesco com","main_content":"

Há sempre um tanto de perplexidade na descoberta, algo entre o medo da paralisia e o prazer do formigamento. Uma ad mir(a)ção. E nisso a descoberta tem muito parentesco com o pensamento que igualmente nos faz parar no ensimesmamento. A literatura e a filosofia são assim, portas e janelas para esse olhar reflexivo sobre o movimento do mundo. Há alguns anos juntei essas duas em encontros com pessoas maravilhosas que buscam um olhar que dê maior amplitude para as suas perplexidades. E agora encontrei esse espaço - e esse amigo, Marcos Ceccon - que espero poder fruir, plantar e compartilhar. Desejo não ser nem tanto tímido e muito menos afoito. Mas confesso meu entusiasmo.

Deixo um texto que me provoca naquilo que a literatura e a filosofia têm de mais instigante: sua face labiríntica e seu convite para sermos Ariadne, para sermos Teseu, para sermos Minotauro.

Um abraço

“Continuidade dos parques”, de Julio Cortázar

Começara a ler o romance dias antes. Abandonou-o por negócios urgentes, voltou à leitura quando regressava de trem à fazenda; deixava-se interessar lentamente pela trama, pelo desenho dos personagens. Essa tarde, depois de escrever uma carta a seu procurador e discutir com o capataz uma questão de parceria, voltou ao livro na tranquilidade do escritório que dava para o parque de carvalhos. Recostado em sua poltrona favorita, de costas para a porta que o teria incomodado como uma irritante possibilidade de intromissões, deixou que sua mão esquerda acariciasse de quando em quando o veludo verde e se pôs a ler os últimos capítulos. Sua memória retinha sem esforço os nomes e as imagens dos protagonistas; a fantasia novelesca absorveu-o quase em seguida. Gozava do prazer meio perverso de se afastar linha a linha daquilo que o rodeava, e sentir ao mesmo tempo que sua cabeça descansava comodamente no veludo do alto respaldo, que os cigarros continuavam ao alcance da mão, que além dos janelões dançava o ar do entardecer sob os carvalhos. Palavra por palavra, absorvido pela trágica desunião dos heróis, deixando-se levar pelas imagens que se formavam e adquiriam cor e movimento, foi testemunha do último encontro na cabana do monte. Primeiro entrava a mulher, receosa; agora chegava o amante, a cara ferida pelo chicotaço de um galho. Ela estancava admiravelmente o sangue com seus beijos, mas ele recusava as carícias, não viera para repetir as cerimônias de uma paixão secreta, protegida por um mundo de folhas secas e caminhos furtivos. O punhal ficava morno junto a seu peito, e debaixo batia a liberdade escondida. Um diálogo envolvente corria pelas páginas como um riacho de serpentes, e sentia-se que tudo estava decidido desde o começo. Mesmo essas carícias que envolviam o corpo do amante, como que desejando retê-lo e dissuadi-lo, desenhavam desagradavelmente a figura de outro corpo que era necessário destruir. Nada fora esquecido: impedimentos, azares, possíveis erros. A partir dessa hora, cada instante tinha seu emprego minuciosamente atribuído. O reexame cruel mal se interrompia para que a mão de um acariciasse a face do outro. Começava a anoitecer.

Já sem se olhar, ligados firmemente à tarefa que os aguardava, separaram-se na porta da cabana. Ela devia continuar pelo caminho que ia ao Norte. Do caminho oposto, ele se voltou um instante para vê-la correr com o cabelo solto. Correu por sua vez, esquivando-se de árvores e cercas, até distinguir na rósea bruma do crepúsculo a alameda que levaria à casa. Os cachorros não deviam latir, e não latiram. O capataz não estaria àquela hora, e não estava. Subiu os três degraus do pórtico e entrou. Pelo sangue galopando em seus ouvidos chegavam-lhe as palavras da mulher: primeiro uma sala azul, depois uma varanda, uma escadaria atapetada. No alto, duas portas. Ninguém no primeiro quarto, ninguém no segundo. A porta do salão, e então o punhal na mão, a luz dos janelões, o alto respaldo de uma poltrona de veludo verde, a cabeça do homem na poltrona lendo um romance.

Do livro Final do jogo.

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Deixo um texto que me provoca naquilo que a literatura e a filosofia têm de mais instigante: sua face labiríntica e seu convite para sermos Ariadne, para sermos Teseu, para sermos Minotauro.

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“Continuidade dos parques”, de Julio Cortázar

Do livro Final do jogo.

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