{"status":200,"response":{"result":"PUBLIC_ARTICLES_RETRIEVED","data":{"count":1,"content":[{"id":"5e7fbad910356a1dfce21044","updated":"2020-03-30T04:12:30.926Z","created":"2020-03-28T21:00:09.476Z","statuses":{"approval_status":"approved","publish_status":"published","visibility_status":"public","has_pending_changes":false,"is_pinned":false,"is_paywall_disabled":false,"scheduled_date":null,"rejection_reason":null},"metadata":{"location":"home","location_slug":"blog","content_type":"post","publish_date":"2020-03-28T22:46:06.779Z","likes_count":1,"bookmarks_count":0,"comments_count":0,"score":"2020-03-29T01:46:06.779Z","sharing_title":"Concentrados em campo, mas não para jogar","sharing_description":null,"sharing_image":"https://5c829e95777257707291ea5b.redesign.static-01.com/f/images/29a47827f416cd211d2e476730f456b666c046bb.png","tag_ids":["5e7fbad910356a1dfce2103f","5e7fbad910356a1dfce21040","5e7fbad910356a1dfce21041","5e7fbad910356a1dfce21042","5e7fbad910356a1dfce21043"],"author_user_id":"5e76a775c902f837a40f3c71","moderator_user_id":null,"project_id":"5c829e95777257707291ea5b","course_id":null,"course_module_id":null,"group_id":null,"version":1,"tags":[{"id":"5e7fbad910356a1dfce2103f","title":"campo de concentracao","slug":"campo-de-concentracao","project_id":"5c829e95777257707291ea5b"},{"id":"5e7fbad910356a1dfce21040","title":"auschwitz","slug":"auschwitz","project_id":"5c829e95777257707291ea5b"},{"id":"5e7fbad910356a1dfce21041","title":"sachsenhausen","slug":"sachsenhausen","project_id":"5c829e95777257707291ea5b"},{"id":"5e7fbad910356a1dfce21042","title":"segunda guerra","slug":"segunda-guerra","project_id":"5c829e95777257707291ea5b"},{"id":"5e7fbad910356a1dfce21043","title":"cronica","slug":"cronica","project_id":"5c829e95777257707291ea5b"}]},"content":{"title":"Tatuador de Auschwitz","slug":"tatuador-de-auschwitz","cover_image":"https://5c829e95777257707291ea5b.redesign.static-01.com/l/images/29a47827f416cd211d2e476730f456b666c046bb.png","headline":"Até hoje eu não consigo pronunciar Sachsenhausen. Se você conseguiu, pelo vento que te refresca, me ensina depois? Talvez seja difícil para mim porque eu não falo alemão.Caminhando pelas ruas","main_content":"

Até hoje eu não consigo pronunciar Sachsenhausen. Se você conseguiu, pelo vento que te refresca, me ensina depois? Talvez seja difícil para mim porque eu não falo alemão.

Caminhando pelas ruas tranquilas daquela região um tanto quanto afastada do centro da cidade de Berlim, nem dava para imaginar que em um tempo não tão distante assim, tranquilidade era o que menos se podia sentir por lá. Na vendinha da esquina, uma água gelada para matar a sede foi o que me fez parar um pouco, e me permitiu observar tudo o que acontecia por ali. Nada. Depois daquelas 3 conduções e um bom tempo de caminhada, eu ainda não havia chegado aonde queria. Eu nem pretendia ir até lá quando comprei minha passagem para Berlim. Honestamente, eu nem sabia que aquele lugar existia. Ainda bem que me contaram. E eu fui.

Demorei um tempo para entender o que significava aquele momento. Confesso, eu não dominava o assunto. Eu não sabia nada sobre o que havia se passado ali. Foi um desperdício recompensador para mim. Me instigou a entender de maneira mais aprofundada, o que foi aquele período nebuloso e de muito sofrimento. Já do lado de fora do muro que separou a vida da morte, imagens em preto e branco mostravam cenas que se passaram do lado de dentro, onde a covardia e a desumanidade reinaram por alguns anos. Pouco antes de avistar a entrada, outro muro, este projetado por algum arquiteto moderno para chamar a atenção, com espaçamentos assimétricos entre partes construídas e partes vazadas, com o texto Sachsenhausen, escrito em branco num fundo cinza claro. O portão da entrada, de ferro forjado, assustava e tinha um semblante pesado. Estava entreaberto. Entrei. Não tinha guarita. Não tinha portaria. Era só entrar. Pelo menos era o que parecia aos olhos de quem enxergava de fora, sem entender muito bem o real sentido de estar ali. Dava para ouvir o barulho da grama crescendo. Era um silêncio ensurdecedor, naquele que já havia sido um lugar de muito barulho. Barulho de tiros. De gente assustada. De medo. De extermínio. Barulho de morte.

[Me custa a entender como Lale e Gita conseguiram se apaixonar e cultivar o amor que desenvolveram um pelo outro dentro de Auschwitz – outro nome difícil, mas esse já sei pronunciar. Os dois foram levados para o campo de concentração em abril de 1942. O mês cujo primeiro dia é conhecido como o dia da mentira. Mas o fato de estarem onde estavam era muito real. Não se tinha esperança, perante um extermínio em massa que acabou com a vida de 6 milhões de pessoas. Muitas nem tiveram a chance de entender o que se passava. E por que tiraram tantas vidas? Eram pessoas diferentes, diziam. Ao descer do trem, Lale recebeu uma ordem para que deixasse sua mala no chão com as demais, e se juntasse aos outros que haviam chegado ali sacolejando no mesmo trem que ele, num amontoado de tantas outras pessoas diferentes. A preocupação dele naquela hora era “como vão saber qual é a minha depois?”. Não o julgo. Eu também pensaria. Mesmo tendo a impressão de que aquele seria um problema quase que insignificante diante do que poderia estar me aguardando a partir daquele momento. Ele fora designado como Tatowierer – para facilitar, Tatuador – do campo de concentração em Auschwitz. O cara que marcaria para sempre, não apenas a pele, mas a vida de todas as pessoas que se sentassem na cadeira à sua frente. Foi assim que ele conheceu Gita, segurando seu braço delicado e tendo que causá-la um sofrimento de dor física momentânea e tristeza eterna, com o que para muitos não passaria de um simples número de quatro dígitos: o 4562. Este seria o “nome” dela, enquanto ela durasse ali. Lale marcou a vida de muitas pessoas, mas nenhuma delas com tanta intensidade como marcou a de Gita. O sentimento de amor que tiveram um pelo outro, em um lugar onde seria muito mais provável enlouquecer diante do medo, da fome, das torturas físicas e das incertezas do dia seguinte, sem dúvida foi o fator de onde tiraram as forças para aguentar aquela situação, e a vontade de querer sobreviver ali até o último momento que lhes fosse possível, na esperança de um dia voltarem a ser tratados como seres dignos, e viverem suas vidas como todos merecemos viver. Lale e Gita conseguiram comprar a possibilidade de se encontrar semanalmente, nos fundos de uma das alas onde os prisioneiros tomavam sol aos domingos. Todos aqueles momentos em que estiveram juntos, declarando seus sentimentos recíprocos de medos e desejos, fortaleciam sua estadia numa espécie de jaula com leões famintos, que poderiam se cansar deles a qualquer instante, sem necessariamente terem um motivo plausível para justificar qualquer atrocidade que sentissem vontade de cometer contra os dois. Lale e Gita conseguiram sobreviver ao Holocausto. Eles permaneceram juntos e se casaram após a libertação do campo de concentração de Auschwitz em 1945. Sua história começou como a de milhões de outras pessoas, mas terminou de forma muito diferente do que a da maioria delas. No caso deles, foi uma história de vida, não de morte.] Breve resenha de O Tatuador de Auschwitz, de Heather Morris – Baseado em uma história real.

Agora faz sentido para mim o silêncio em Sachsenhausen. O culto à memória das almas que até hoje estão presas àquele local. A energia que existe lá dentro, é uma coisa complexa de ser explicada. Você vai além de sentir uma simples tristeza por estar lá. É como se você estivesse cultuando entes queridos, mas sem tê-los conhecido. É uma compaixão profunda por pessoas que você não faz ideia de quem tenham sido, mas tem a convicção de que gostaria que não tivessem passado pelo que passaram, ou então, assim como Lale e Gita, pudessem ao menos ter tido um final diferente do que de fato tiveram. É um amargor de desgosto. Uma reflexão profunda. O sofrimento alheio. Compaixão imensurável por muitos que estavam concentrados em campo, mas não para jogar.

Nota: Em abril de 2020, será comemorado o 75° aniversário da libertação dos prisioneiros do campo de concentração de Sachsenhausen.

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Até hoje eu não consigo pronunciar Sachsenhausen. Se você conseguiu, pelo vento que te refresca, me ensina depois? Talvez seja difícil para mim porque eu não falo alemão.

Nota: Em abril de 2020, será comemorado o 75° aniversário da libertação dos prisioneiros do campo de concentração de Sachsenhausen.

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